Argumentos falaciosos: um pequeno compêndio para evitar a compra
de gatos por lebres
Todo mundo sabe o
que é uma mentira. Feita de uma pessoa para outra, ou para muitas
outras, é uma afirmação cujos fatos enunciados não
correspondem à verdade. Mentiras são maneiras de evitar
uma possível punição ou de encobrir uma situação
ridícula; pode ser também uma estratégia para não
comprometer outras pessoas injustamente. Afinal, ninguém gosta
de ser, ou merece ser, vítima de mentiras no que elas têm
de condenável porque escondem a verdade. Por exemplo, houve uma
época no Brasil, quando todos sabiam que se o governo federal anunciasse
que não ia fazer alguma coisa, como criar um novo imposto, baixar
uma nova lei de emergência.... isso infalivelmente seria feito,
e dentro de pouco tempo. A vítima de uma mentira sempre está
em desvantagem porque não sabe a verdade, não tem a informação
correta para tomar uma decisão acertada, podendo ainda se sentir
em dúvida, num ceticismo perturbador, até que a verdade
se imponha. A vítima de uma mentira age sob a influência
de um ardil verbal. Acredita naquilo que supõe ser verdadeiro quando
não o é. Podemos ser vitimados também por um outro
tipo de desvio de pensamento que é tão perigoso e enganador
quanto a mentira: a falácia.
Enquanto a mentira
é uma informação falsa, uma falácia é
um argumento falso, ou uma falha num argumento, ou ainda, um argumento
mal direcionado ou conduzido. A origem da palavra "falaz" remete
à idéia do deceptivo, do fraudulento, do ardiloso, do enganador,
do quimérico. Para entender bem isso, é preciso lembrar
que quando pessoas esclarecidas tentam convencer outras também
esclarecidas a acreditar em suas afirmações, precisam usar
argumentos, isto é, exemplos, evidências ou casos ilustrativos
que confirmem a veracidade do enunciado. Como se vê, estamos falando
de discursos, de enunciados, de declarações feitas com o
fim de persuadir, levando alguém ou um grupo a acreditar numa coisa
ou outra. Você acredita em tudo o que escuta ou lê? Claro
que não. A diferença entre uma pessoa esclarecida e uma
não- esclarecida é a maneira como ambas lidam com discursos:
a primeira tem critérios para aceitar ou rejeitar argumentos; a
segunda ainda não aprendeu os critérios para distinguir
argumentos que carecem de fundamentação.
Note bem: não
confunda mentiras com falácias. Mentiras são desvios ou
erros propositais sobre fatos reais; falácias, por outro lado,
são discursos, ou tentativas de persuadir o ouvinte ou leitor;
promovendo um engano ou desvio, porque suas estruturas de apresentação
de informação não respeitam uma lógica correta
ou honesta, pois foram manipuladas certas evidências ou há
insuficiência de prova concreta e convincente. Uma afirmação
falaciosa pode ser composta de fatos verdadeiros, mas sua forma de apresentação
conduz a conclusões erradas. Toda pessoa esclarecida, instada a
elaborar argumentos, por força do trabalho que executa ou de situações
cotidianas, deve reconhecer nos próprios argumentos o uso proposital
do raciocínio falacioso (intenção de ludibriar) e
a imperícia de raciocínio (lógica acidentalmente
comprometida). De uma forma ou de outra, compra-se ou vende-se gato por
lebre.
Uma vez sabendo identificar
falácias, você vai começar a vê-las por todo
lado. Nos discursos de candidatos a cargos políticos, nas notícias
de jornal (tanto impresso quanto televisivo), nas reuniões de condomínio,
nas frases de vendedores (de imóveis, de carros e planos de saúde,
de cartões de crédito). Há quem cometa falácias
sem malícia, meramente como resultado de raciocínio apressado
ou ingênuo. Mas é mais freqüente encontrar falácias
em argumentos de pessoas ou instituições que querem enganar
o ouvinte, querem convencê-lo a concordar com o enunciado (seja
votar, comprar ou decidir, manipulando a vontade do interlocutor).
Para quem é
professor, por exemplo, é mais importante levar seus alunos a entender
como identificar falácias enunciadas por outros, e como não
cometer uma falácia, do que ensinar uma grande quantidade de fatos
a serem memorizados e logo esquecidos. Aquilo que o professor ensina aos
seus alunos deveria ficar com eles até o fim dos seus dias, protegendo-os
de políticos capciosos, vendedores oportunistas e de vizinhos intimidadores,
desejosos de manipular o pensamento dos seus ouvintes, enganando-os com
argumentos falsos ou desviados.
Assim, uma falácia
não é apenas um erro; é um erro de um certo tipo,
que resulta do raciocínio impróprio ou fraudulento. A falácia
tem todo o aspecto de um argumento correto e válido, embora não
o seja. Esse é seu grande perigo: parece correto, mas não
é, além do que, leva a outros erros de pensamento, como
conclusões erradas. Existem três grandes categorias de falácias:
(A) aquelas baseadas em ''truques de palavras''; (B) aquelas que representam
a perversão de métodos de argumentos legítimos, especialmente
o indutivo; e (C) aquelas que representam argumentos extraviados ou desencaminhados.
(Fredric Litto)
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