sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

O último ônibus

Hélio Costa

A noite estava úmida e fria. Um vento gelado e cortante rodopiava pelas ruas desertas e sombrias.
Passava da meia-noite, quando o último ônibus deixa Antônio Fagundes no terminal rodoviário. Uma garoa fria e fina começa a cair.

Antônio arruma o boné na cabeleira rala e acaricia o pequeno embrulho que havia colocado ao lado da marmita, na velha sacola encardida. Ao tocar no volume e sentir a "lisura" do papel colorido, esboça um leve sorriso: pensa na alegria do caçula quando, lentamente, fosse abrindo o pacote colorido, tão logo chegasse em casa.

Agacha-se, arregaça a calça desbotada, amarra o cordão amarelado do velho tênis descolorido e num ímpeto, levanta-se vigorosamente lançando-se pela noite escura de peito estufado e cabeça erguida, como um garboso guerreiro que retorna ao lar depois de ter vencido mais uma batalha. Caminha firme pela noite adentro.

Um bom trecho pela frente... não tivesse perdido o ônibus anterior teria alcançado o "alimentador"... mas agora... o jeito era "tirar no pé", debaixo da garoa teimosa que caía incessantemente naquela noite escura.

Ninguém na rua. Tudo era silêncio e solidão naquela sexta-feira, dia 10 do mês. Antônio, quase podia escutar as batidas do próprio coração, enquanto, com passadas largas e firmes, deslizava pela estrada escorregadia.

Quase chegando - pensava - dentro de alguns instantes estaria em casa... a esposa, como era de costume, viria recebê-lo à porta assim que ouvisse as três batidas compassadas, conforme o combinado.

Será que o pequeno ainda estaria acordado, esperando o carrinho de pilhas que há tempos vinha pedindo? Também... nunca sobrava dinheiro para comprar... mas hoje... sorri! Acaricia novamente o pequeno embrulho dentro da sacola. Mas hoje... Antônio não podia conter o sorriso ao imaginar a carinha do caçula traquino, quando lhe entregasse o embrulho colorido, contendo o carrinho que tanto queira.

Manhã fria e cinzenta em Curitiba!
Manchete da "Tribuna do Paraná":
Um homem é encontrado morto com duas facadas no coração.
Os bolsos revirados. A mão direita, enregelada, dura, prende a alça de uma sacola encardida com um embrulho de papel colorido desfeito...
Onde estaria o carrinho de pilhas?

Curitiba 1988

Um comentário:

neneka disse...

PERFEITO O TEXTO DO ULTIMO ONIBUS, BEM CURITIBANO, TERMINAL DE ÔNIBUS E OUTRAS PECULIARIDADES DEN CURITIBA, EXCELENTE, EMBORA TRISTE, PORÉM É A REALIDADE DURA,NUA E CRUA DE TODAS AS METROPOLES BRASILEIRAS E CURITIBA NÃO FOGE A REGRA, MEUS PELOS ESTÃO ARREPIADOS AO VIVENCIAR A CENA, COISA QUE TODO BOM LEITOR FAZ,EU DARIA UM TROFÉL PARA ESSE TEXTO AMIGÃO, ABRAÇOS LITERÁRIOS PARA VC HELIO.